“Ai, eu detesto matemática. Passo até mal antes de uma prova!” Esta é uma frase que escutamos frequentemente, principalmente entre os adolescentes. Do ponto de vista cultural, há inclusive uma aceitação de que esta disciplina seja difícil e de “arrepiar os cabelos”. Mas para algumas crianças e adolescentes a matemática é tão aterrorizante que chega a ser fonte de uma ansiedade além do esperado.
A ansiedade matemática é uma fobia específica, que aparece como um sentimento de tensão ou desamparo e preocupação extrema frente a situações ou estímulos que envolvem a matemática ou números¹. Assim como as outras fobias específicas, a ansiedade matemática apresenta três níveis de resposta¹:
- Comportamental: fuga, esquiva, evitação perante estímulos ou situações ansiogênicas.
- Fisiológica: taquicardia, estômago revirando, sudorese e outras reações autonômicas.
- Cognitiva: pensamentos de desamparo e distorcidos (“não consigo aprender”, “sou burro”).
A relação entre ansiedade matemática e desempenho matemático é bidirecionada. Isso significa que tanto a ansiedade pode levar a um baixo rendimento escolar quanto um padrão persistente de dificuldade de aprendizagem na matemática pode desencadear a ansiedade matemática. Neste ponto precisamos definir a discalculia do desenvolvimento, que é uma dificuldade persistente e inesperada da aprendizagem da matemática. A origem da discalculia é neurobiológica, ou seja, não se trata de educação inadequada ou mesmo problemas socioeconômicos.
Como a dificuldade na matemática é persistente, com o passar dos anos a criança com discalculia tem grandes riscos de desenvolver ansiedade matemática, uma vez que a disciplina vai se tornando cada vez mais aversiva.
Imagine você ter que se deparar diariamente com uma situação ou atividade no qual você sabe que não é bom? Um sentimento de frustração e de desamparo tendem a tomar conta de você. Nesse sentido um programa de intervenção para crianças com discalculia deve não só adequar o currículo de matemática às habilidades da criança, como também ter como foco estratégias que ensinem ao aluno manejar e superar momentos no qual ele se sinta inferior ou incapaz em virtude de suas dificuldades na matemática.
Precisamos acrescentar ainda que a quantidade de crianças e adolescentes com ansiedade matemática é bem maior que aqueles com discalculia. Isso significa que a maior parte das crianças com fracasso escolar na matemática apresentam este perfil por causas extrínsecas.
Dentre os fatores extrínsecos à criança que aumentam a ansiedade, e que podem causar dificuldade, podemos citar: escola com demanda de atividades acima do perfil da capacidade da criança de lidar com tal exigência, pais autoritários e irmãos muito bons na disciplina. Ademais, precisamos considerar que existem diferenças individuais que deixam algumas crianças mais vulneráveis aos eventos ambientais. Na prática, queremos dizer que algumas crianças/adolescentes têm características de personalidade e perfil psicológico que os deixam mais tendenciosos à manifestação de sintomas ansiosos.
Apesar de ser estudada há mais de 50 anos há, ainda hoje, um desconhecimento sobre o assunto por parte da sociedade e, mais importante, por parte da escola. A aprendizagem da matemática é hierarquizada e depende muito da repetição por meio de realização de exercício.
Crianças/adolescentes com ansiedade matemática, como descrito, tendem a se esquivar de tarefas dessa disciplina, consequentemente, começam a apresentar mais dificuldades de aprendizagem em matemática.
Família e escola tentam transpor o problema por meio de aulas de reforço, recuperação paralela ou estratégicas pedagógicas. Mas para alguns estudantes no qual a ansiedade é muito grande, faz-se necessário, além de uma estimulação pedagógica, usar técnicas cognitivo-comportamental.
Caso você se depare com um aluno que fica muito nervoso antes de prova, apresenta suor nas mãos, dor de barriga e sentimentos de desamparo perante a disciplina, sugerimos encaminhá-lo para uma avaliação neuropsicológica que pontue e direcione a escola e família sobre a existência do quadro de ansiedade matemática ou de outras condições.
Vale lembrar que a avaliação neuropsicológica investiga não só características cognitivas e emocionais da criança, mas também características sociais, como da escola e família.
- Haase, V.G.; Júlio-Costa, A.; Pinheiro-Chagas, P.; Oliveira, L.F.S.; Micheli, L.R.; Wood, G. (2012). Math Self-Assessment, but Not Negative Feelings, Predicts Mathematics Performance of Elementary School Children. Child Development Research, v. 2012, p. 1-10.
Texto escrito por:
Annelise Júlio-Costa
Psicóloga & Farmacêutica
Sócia e Diretora de Educação do iLumina Neurociências
Mestre e Doutoranda em Neurociências – UFMG